O novo acordo ibérico sobre a gestão hídrica, previsto para regular a utilização e partilha dos recursos hídricos entre Portugal e Espanha, foi adiado por mais um mês, confirmaram fontes governamentais de ambos os países. A decisão foi tomada após uma série de negociações que terminaram sem consenso sobre pontos chave, como a alocação de caudais e o cumprimento dos requisitos ambientais.

Reunião de Alto Nível Sem Acordo

A reunião de alto nível, que ocorreu na semana passada em Lisboa, contou com a presença de membros do governo português e espanhol, incluindo a ministra do Ambiente e da Ação Climática de Portugal, Duarte Cordeiro, e a sua homóloga espanhola, Teresa Ribera, vice-presidente do governo espanhol e ministra para a Transição Ecológica.

Os dois países estavam a trabalhar na atualização do convénio de Albufeira, assinado em 1998, que regula a gestão e partilha das águas das bacias hidrográficas que atravessam a fronteira ibérica, nomeadamente o Douro, Tejo, Guadiana e Minho. Este tratado visa assegurar o uso sustentável dos recursos hídricos e o respeito pelos caudais ecológicos mínimos para a preservação dos ecossistemas fluviais.

No entanto, após várias rondas de negociações, não foi possível alcançar um entendimento pleno sobre as quantidades de água que cada país deve garantir ao outro, especialmente num contexto de alterações climáticas, que tem afetado os regimes de precipitação e o volume de água disponível.

Questões Técnicas e Políticas em Debate

Entre os pontos de discórdia que levaram ao adiamento do acordo estão as quantidades mínimas de caudal que Espanha deve garantir a Portugal, sobretudo nos meses de verão, quando a pressão sobre os recursos hídricos é maior. Portugal tem insistido na necessidade de cumprir estritamente os caudais ecológicos acordados, de modo a garantir a sustentabilidade dos rios e a proteção dos ecossistemas, enquanto Espanha argumenta que, devido à seca extrema, é difícil assegurar esses níveis de água.

Outro tema sensível tem sido a gestão das barragens em território espanhol, que, segundo fontes governamentais portuguesas, tem impactado a quantidade e a qualidade da água que chega a Portugal. O governo português tem expressado preocupação sobre a falta de transparência em relação ao uso das águas armazenadas e a sua libertação para o território nacional.

Por outro lado, Espanha sublinha que também enfrenta desafios significativos em termos de escassez de água, com várias regiões a atravessar crises hídricas sem precedentes, nomeadamente a Andaluzia e a Extremadura. Madrid tem reforçado a necessidade de flexibilizar algumas das obrigações do tratado original, de forma a melhor gerir os seus recursos em tempos de crise.

Alterações Climáticas Acentuam Conflito Hídrico

A crescente imprevisibilidade dos padrões climáticos, com secas mais prolongadas e intensas em várias regiões da Península Ibérica, tem agravado as tensões entre os dois países sobre a gestão dos seus recursos partilhados. As alterações climáticas têm resultado numa diminuição acentuada dos caudais dos rios que atravessam a fronteira, dificultando o cumprimento dos compromissos estabelecidos no convénio de Albufeira.

Nos últimos anos, os rios Douro, Tejo e Guadiana, em particular, têm registado caudais muito abaixo dos níveis médios históricos, o que tem afetado negativamente as atividades económicas nas regiões ribeirinhas, desde a agricultura até à produção de energia hidroelétrica. A escassez de água também tem tido impacto direto no abastecimento de água potável às populações das regiões fronteiriças.

Com base nos dados meteorológicos mais recentes, a Península Ibérica tem enfrentado a pior seca dos últimos 30 anos, com muitos dos seus principais reservatórios em níveis historicamente baixos. Esta realidade tem levado a uma maior pressão sobre ambos os governos para encontrarem uma solução que permita uma gestão equitativa e sustentável da água.

Leia também: Participação de mercado de chicotes de portas deslizantes, tamanho, tendências, relatório de análise da indústria, por tipo, por uso final

Reações Políticas e Sociais

O adiamento do acordo gerou reações mistas em ambos os países. Em Portugal, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista Os Verdes criticaram o governo por não conseguir garantir compromissos mais firmes por parte de Espanha, especialmente em termos de caudais mínimos e proteção dos ecossistemas. “É inaceitável que continuemos a assistir à destruição dos nossos rios por causa da má gestão hídrica de Espanha”, afirmou Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda.

Já o Partido Socialista defendeu a necessidade de paciência e diálogo contínuo entre os dois países. “As negociações são complexas, mas acreditamos que um acordo equilibrado será alcançado em breve, beneficiando ambos os países e garantindo a sustentabilidade dos nossos recursos hídricos”, disse Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas.

Do lado espanhol, as reações foram igualmente divididas. Enquanto o governo central de Pedro Sánchez defendeu a necessidade de mais tempo para ajustar as exigências do tratado às realidades climáticas atuais, algumas regiões autónomas, como a Andaluzia, manifestaram frustração com o que consideram ser “pressões excessivas” por parte de Portugal. “As regiões mais afetadas pela seca não podem suportar estas obrigações sem colocar em risco as suas economias locais”, afirmou Juanma Moreno, presidente da Junta da Andaluzia.

Próximos Passos

Apesar do adiamento, fontes próximas do processo de negociação garantem que as conversações continuarão nos próximos dias, com o objetivo de alcançar um acordo no próximo mês. Entretanto, ambos os governos se comprometeram a garantir o cumprimento das disposições atuais do convénio de Albufeira até que uma atualização definitiva seja acordada.