Júlio despediu-se do amigo Odair no cemitério: “Jogávamos à bola na rua em Cabo Verde”

A manhã nublada em Lisboa foi o cenário para uma despedida carregada de emoção. Júlio, de 45 anos, deu seu último adeus ao amigo de infância, Odair, em uma cerimônia simples, mas repleta de significado no Cemitério dos Olivais. “Jogávamos à bola na rua em Cabo Verde,” disse Júlio, com a voz embargada, enquanto se despedia do amigo que o acompanhou por toda a vida.

Odair, também natural de Cabo Verde, faleceu na última semana em decorrência de complicações de saúde, aos 46 anos. Os dois amigos chegaram a Portugal há mais de 20 anos, em busca de melhores oportunidades de vida, mas nunca perderam a ligação com a terra natal. A história de Júlio e Odair é um retrato de uma amizade que resistiu ao tempo, à distância e às dificuldades da imigração.

Infância em Cabo Verde

Júlio e Odair nasceram em São Vicente, uma das ilhas do arquipélago de Cabo Verde. Cresceram na mesma rua, jogando futebol descalços nas ruas de terra batida. “Era sempre eu e ele contra os outros meninos do bairro,” lembrou Júlio durante a cerimônia. A paixão pelo futebol uniu os dois desde cedo, e a amizade foi solidificada nos momentos compartilhados sob o sol quente da ilha.

A vida em Cabo Verde era simples, mas não desprovida de desafios. Júlio recordou as dificuldades econômicas enfrentadas pelas famílias, que muitas vezes tinham que lidar com a escassez de recursos básicos. “A gente não tinha muita coisa, mas tinha uns aos outros,” disse ele.

Essa ligação profunda entre os dois amigos fez com que a decisão de emigrar para Portugal fosse tomada em conjunto. “Saímos da nossa terra com um sonho, e era importante que estivéssemos juntos nessa jornada,” acrescentou Júlio. Ambos buscavam uma vida melhor, um futuro com mais oportunidades, mas sabiam que o processo não seria fácil.

A Imigração para Portugal

Nos anos 1990, a imigração cabo-verdiana para Portugal era significativa, com muitos buscando emprego na construção civil, serviços domésticos ou no comércio. Júlio e Odair não foram exceção. Chegaram a Lisboa em 1999, sem grandes expectativas, mas determinados a trabalhar duro.

Odair começou como ajudante de pedreiro e, com o tempo, conseguiu estabilidade como mestre de obras. Júlio seguiu um caminho semelhante, trabalhando em várias frentes da construção civil, até se estabelecer como eletricista. “Passamos por muita coisa juntos aqui em Portugal. No início, era complicado, não tínhamos dinheiro, nem documentos, mas ajudávamos um ao outro,” contou Júlio.

A adaptação à nova vida em Portugal não foi fácil. Os dois amigos enfrentaram dificuldades com o idioma, o clima e as condições de trabalho, que muitas vezes eram precárias. “Era um trabalho duro, mas a gente sempre encontrava tempo para jogar uma peladinha aos fins de semana, como nos velhos tempos,” disse Júlio, sorrindo ao recordar os momentos de lazer.

O Laço Inquebrável

Apesar de terem seguido carreiras distintas, o laço entre Júlio e Odair nunca se rompeu. Os dois fundaram, com outros amigos da comunidade cabo-verdiana, um pequeno clube de futebol amador em Lisboa, onde jogavam nas tardes de sábado. “Era o nosso jeito de nos sentirmos mais próximos de casa,” disse Júlio.

As famílias dos dois amigos também se tornaram próximas ao longo dos anos. Odair casou-se em Portugal e teve dois filhos, enquanto Júlio também construiu sua família no país. As reuniões familiares, os almoços de domingo e os jogos de futebol eram um reflexo da ligação que jamais foi perdida.

A morte de Odair pegou a comunidade de surpresa. “Ele não parecia tão doente,” disseram amigos e familiares durante o velório. Odair foi internado no início de outubro devido a uma infecção pulmonar grave e, apesar dos esforços médicos, não resistiu às complicações.

A Despedida

No cemitério, as palavras de Júlio ecoavam o sentimento de muitos dos presentes. “Perdi mais do que um amigo, perdi um irmão.” Ao redor, rostos tristes observavam a urna ser baixada ao solo. Entre lágrimas e murmúrios de conforto, as memórias de infância em Cabo Verde e dos dias vividos juntos em Portugal foram compartilhadas pelos amigos e familiares.

A cerimônia contou com a presença de membros da comunidade cabo-verdiana em Lisboa, muitos dos quais cresceram ao lado de Júlio e Odair. Um coro improvisado entoou cânticos tradicionais de Cabo Verde, enquanto flores eram colocadas sobre o túmulo.

“Foi uma amizade de verdade, dessas que a gente vê cada vez menos,” disse José, outro amigo de longa data, que conheceu a dupla ainda em São Vicente. Ele destacou que a história de Júlio e Odair é um exemplo da força dos laços comunitários e familiares entre os imigrantes cabo-verdianos. “A gente vem para cá em busca de algo melhor, mas nunca esquece de onde veio, e nunca esquece das pessoas que estiveram com a gente nessa caminhada.”

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Uma Comunidade que Celebra a Vida

A comunidade cabo-verdiana em Lisboa é conhecida por sua união e resiliência. Apesar das adversidades enfrentadas na terra estrangeira, mantém vivas suas tradições, cultura e, principalmente, seus laços de solidariedade. A despedida de Odair foi mais um momento em que essa união se fez presente.

Embora o sentimento de perda seja profundo, as palavras de Júlio lembram que a amizade e as memórias que compartilhou com Odair continuarão vivas. “Ele foi um grande homem, um grande amigo, e isso ninguém tira da gente.”