Ferrovia: Atrasos nas entregas de carruagens custam 16 milhões por mês
Os sucessivos atrasos na entrega de novas carruagens para a rede ferroviária portuguesa estão a gerar um impacto financeiro considerável para o Estado e para a empresa pública Comboios de Portugal (CP). De acordo com fontes ligadas ao setor, a demora na renovação da frota de carruagens está a custar aproximadamente 16 milhões de euros por mês, devido ao aumento dos custos de manutenção das composições antigas e à redução da capacidade operacional da empresa, o que afeta a oferta de serviços e a satisfação dos passageiros.
A origem dos atrasos
A CP e o governo tinham anunciado, em 2020, um plano ambicioso de renovação da frota, com a aquisição de novas carruagens e a modernização das existentes. O contrato, avaliado em centenas de milhões de euros, previa a entrega de várias dezenas de novas composições, incluindo comboios regionais, urbanos e de longo curso, como parte de um esforço para revitalizar o transporte ferroviário em Portugal. As carruagens seriam adquiridas de fabricantes internacionais, com prazos de entrega que começariam em 2023 e se estenderiam até 2026.
No entanto, problemas relacionados com a cadeia de fornecimento global, agravados pela pandemia de COVID-19 e pela crise geopolítica na Europa, especialmente o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, têm causado grandes perturbações no setor de produção industrial, afetando diretamente a capacidade dos fabricantes de entregar as carruagens no prazo estipulado. A escassez de matérias-primas, o aumento dos preços dos componentes e a falta de mão-de-obra especializada são alguns dos principais fatores apontados para os atrasos.
De acordo com fontes do setor, as fábricas enfrentam dificuldades em garantir peças críticas para a montagem das carruagens, o que tem atrasado as fases de produção e teste dos veículos. Além disso, o transporte internacional de grandes componentes ferroviários, que depende de rotas marítimas e ferroviárias, também tem sofrido com a falta de logística e aumentos de custos.
Impacto financeiro e operacional
Os atrasos na entrega das carruagens têm causado um impacto significativo nas operações da CP. A empresa, que há muito enfrenta desafios com uma frota envelhecida e a necessidade constante de reparações, encontra-se agora numa situação em que grande parte das suas composições precisa de manutenção intensiva, o que gera custos elevados. Estima-se que, mensalmente, cerca de 16 milhões de euros sejam gastos em serviços de manutenção extraordinária para manter os comboios antigos em funcionamento e minimizar o impacto nos serviços oferecidos aos passageiros.
Outro fator relevante é a incapacidade de a CP aumentar a sua oferta de lugares e frequências de comboios, o que seria possível com a entrada em operação das novas carruagens. Em especial, as linhas urbanas de Lisboa e Porto, que apresentam alta procura, têm sido severamente afetadas, levando a queixas frequentes de passageiros devido a superlotação e atrasos nos horários.
Os comboios regionais e de longo curso também têm sentido os efeitos, com serviços reduzidos em algumas linhas, particularmente nas regiões mais periféricas. Esta limitação operacional tem gerado perdas significativas de receita para a CP, ao mesmo tempo que aumenta a insatisfação dos utilizadores do transporte ferroviário, que muitas vezes recorrem a alternativas rodoviárias ou privadas, como os autocarros ou o transporte individual.
Reações das autoridades e medidas em curso
Perante o impacto negativo dos atrasos, o Ministério das Infraestruturas tem estado sob pressão para explicar as causas da situação e apresentar soluções. Em declarações recentes, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, reconheceu os desafios enfrentados pela CP e pelos seus fornecedores, mas sublinhou que o governo está empenhado em encontrar formas de mitigar o problema. Segundo o ministro, o governo está em contacto direto com os fabricantes para acelerar os prazos de entrega e avaliar possíveis soluções temporárias para reforçar a capacidade da CP.
Entre as medidas propostas está o aluguer de carruagens e locomotivas de outros operadores europeus, como uma solução temporária até à chegada das novas composições. Contudo, esta medida tem sido criticada por especialistas do setor ferroviário, que argumentam que o aluguer de material rodante de outras redes pode não ser compatível com a infraestrutura ferroviária portuguesa, resultando em problemas operacionais e custos adicionais.
O governo também está a estudar a possibilidade de investir mais na modernização das composições existentes, numa tentativa de prolongar a sua vida útil até que as novas carruagens possam entrar em operação. No entanto, esta solução é vista como um paliativo, já que muitos dos comboios em circulação têm mais de 30 anos e apresentam elevados índices de avarias.
A visão dos especialistas
Especialistas em transporte ferroviário e economia têm destacado que os atrasos na renovação da frota são prejudiciais não apenas para a CP, mas também para a economia portuguesa em geral. A falta de competitividade do setor ferroviário, que já enfrentava desafios com a concorrência de empresas privadas de transporte rodoviário, é agora ainda mais agravada pela falta de capacidade operacional.
“Se o transporte ferroviário continuar a não conseguir responder às necessidades dos passageiros em termos de pontualidade, conforto e disponibilidade, corremos o risco de perder uma oportunidade de ouro para promover o uso de transportes públicos sustentáveis”, afirmou um analista de transportes que preferiu não ser identificado. “O setor ferroviário tem um papel fundamental na descarbonização dos transportes, e a falta de investimento ou soluções eficazes pode atrasar os objetivos ambientais e económicos do país”, acrescentou.
Os sindicatos que representam os trabalhadores da CP também têm vindo a manifestar-se contra a situação. Segundo os sindicatos, os trabalhadores estão a lidar com uma carga de trabalho aumentada, devido à necessidade de manter os comboios antigos em circulação, muitas vezes em condições difíceis. Além disso, os atrasos na renovação da frota comprometem os planos de expansão da rede ferroviária, afetando o emprego e o desenvolvimento do setor no longo prazo.
Conclusão
Embora o governo e a CP tenham garantido que estão a trabalhar para resolver os atrasos na entrega das carruagens, os desafios permanecem, com impacto direto nos passageiros e na economia nacional. A capacidade da CP de melhorar os seus serviços e garantir a sustentabilidade do transporte ferroviário depende da resolução rápida dos problemas com os fornecedores e da implementação de soluções alternativas para manter a rede operacional. No entanto, os custos financeiros e as consequências operacionais dos atrasos já são visíveis e continuam a aumentar.