Câmaras acumulam milhões de prejuízo com gestão descentralizada das escolas
A descentralização da gestão das escolas públicas em Portugal, que transferiu responsabilidades do governo central para as câmaras municipais, tem gerado uma série de desafios financeiros para os municípios. De acordo com um levantamento recente, várias autarquias acumulam prejuízos significativos desde que o novo modelo foi implementado, comprometendo seus orçamentos e forçando ajustes em outras áreas da administração pública.
Desde que a descentralização entrou em vigor, em 2019, os municípios passaram a ser responsáveis por áreas como a manutenção dos edifícios escolares, contratação de pessoal não docente, fornecimento de refeições e transportes escolares. Embora o governo tenha prometido transferir verbas suficientes para cobrir essas despesas, diversos presidentes de câmara têm relatado que os valores repassados não são adequados para atender às necessidades reais das escolas, resultando em déficits que, em alguns casos, já ultrapassam milhões de euros.
Câmaras falam em “subfinanciamento crónico”
Entre as principais queixas das autarquias está o que descrevem como “subfinanciamento crónico” do setor educacional. José Antunes, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, foi um dos primeiros a alertar sobre a discrepância entre os custos reais da gestão escolar e os valores repassados pelo governo. “Recebemos uma quantia fixa, mas os gastos variam consideravelmente de acordo com as necessidades das escolas. Em alguns casos, os custos com manutenção e reparos de infraestrutura aumentam de forma inesperada, e o valor transferido não cobre essas despesas”, disse Antunes.
O cenário em Oeiras não é único. Municípios como Sintra, Loures e Setúbal também relataram prejuízos substanciais. Em Setúbal, por exemplo, o presidente da câmara, André Martins, revelou que o déficit acumulado já ultrapassa os 4 milhões de euros desde o início da descentralização. “Estamos a fazer malabarismos para manter outros serviços da câmara em funcionamento. A educação é uma prioridade, mas não podemos sacrificar outros setores essenciais para a comunidade”, afirmou.
Infraestruturas escolares deterioradas
Outro ponto crítico levantado pelos municípios é a questão das infraestruturas escolares. Muitas escolas enfrentam problemas graves de manutenção, com prédios antigos que requerem obras urgentes de reparação. Segundo a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), os repasses do governo central não levam em consideração a deterioração progressiva das instalações, o que obriga as autarquias a gastar mais do que o previsto em reparos e melhorias.
“Há escolas em condições lamentáveis. Temos salas com infiltrações, telhados com risco de desabamento e sistemas elétricos obsoletos”, disse Manuel Almeida, presidente da Câmara de Loures. “A verba que recebemos não cobre sequer o mínimo necessário para manter esses edifícios seguros para os alunos e funcionários.”
Além disso, os custos com a atualização de sistemas de aquecimento, ventilação e equipamentos de segurança também têm sido fatores de pressão nos orçamentos das câmaras. O governo central, por sua vez, afirma que a transferência de responsabilidades foi acompanhada de um estudo prévio sobre as necessidades financeiras de cada município, e que os repasses são ajustados anualmente com base nas condições reportadas pelas autarquias.
Contratação de pessoal: um desafio à parte
Outro problema que tem afetado o equilíbrio financeiro das câmaras é a gestão de pessoal não docente, como assistentes operacionais e administrativos. Com a descentralização, os municípios passaram a ser responsáveis por contratar e gerir esses funcionários, o que tem gerado um aumento significativo na folha de pagamento das autarquias.
Em muitos casos, as escolas relatam falta de pessoal para garantir o bom funcionamento das atividades diárias, desde a supervisão de recreios até a limpeza das instalações. Os sindicatos de trabalhadores da educação também têm pressionado as câmaras para melhorar as condições de trabalho e aumentar os salários dos assistentes operacionais, agravando ainda mais a situação financeira dos municípios.
Em Lisboa, o vereador responsável pela educação, Miguel Gaspar, afirmou que a situação é “insustentável” no longo prazo. “Temos escolas com um número insuficiente de funcionários, o que compromete a qualidade do ensino e a segurança das crianças. As verbas que recebemos não permitem a contratação de todo o pessoal necessário, e estamos constantemente a tentar gerir essa falta de recursos humanos.”
Custos elevados com refeições escolares
Outro ponto que tem impactado os cofres municipais é o fornecimento de refeições nas escolas. Desde a implementação da descentralização, várias câmaras municipais assumiram a responsabilidade de garantir a alimentação dos alunos, um serviço essencial, mas que tem gerado custos elevados e imprevistos.
Em Faro, por exemplo, o custo das refeições escolares disparou em mais de 30% nos últimos dois anos, devido ao aumento dos preços dos alimentos e à necessidade de adaptar as cantinas escolares para atender às novas regulamentações sanitárias e nutricionais. Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro, afirmou que, embora o serviço de refeições seja essencial, ele tem gerado um impacto financeiro superior ao previsto. “As famílias contam com esse serviço, e nós queremos garantir que as crianças tenham acesso a refeições saudáveis e equilibradas, mas isso tem sido feito à custa de outras áreas do orçamento municipal.”
Apoio do governo central: insuficiente?
O governo, por sua vez, tem defendido o processo de descentralização como uma medida fundamental para melhorar a gestão das escolas e aproximar as decisões das realidades locais. Em declarações recentes, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, afirmou que a descentralização permite que os municípios atendam melhor às necessidades específicas de cada região, e que o governo central está comprometido em ajustar os repasses de acordo com as necessidades crescentes.
No entanto, as autarquias argumentam que o apoio financeiro prometido não tem sido suficiente para cobrir todas as despesas envolvidas na gestão escolar. A Associação Nacional de Municípios tem reiterado a necessidade de uma revisão urgente do modelo de financiamento, pedindo que o governo ajuste as verbas de acordo com os custos reais enfrentados pelas câmaras.